Uma Visão Crítica Sobre a Realidade Hodierna no Tocante à “Pirataria”
Thiago Alves Fugiwara *
“Reveja seus conceitos
Reavalie seus princípios
Sopese seus valores
Repense o que fez
Planeje o que quer
E imagine como será”.[1]
Resumo
O trabalho em tela tem por intuito chamar a atenção dos aplicadores e operadores do direito, dos agentes produtores intelectuais, bem como da sociedade, para o fenômeno denominado “pirataria” e seus decorrentes malefícios. Destacar-se-á que, apesar de existir, no Código Penal Brasileiro, previsão do crime de violação ao direito de autor, a comercialização de CDs e DVDs não autênticos trata-se, hodiernamente, de uma conduta comum, sendo a falta de fiscalização e de medidas repressivas por parte do Estado e dos órgãos protetivos dos autores fatores que impedem que tal tipo penal seja verdadeiramente coibido. De mesmo modo, analisar-se-ão algumas questões pontuais referentes ao Direito Autoral, destacando-se a previsão constitucional e a posição do agente produtor intelectual frente à ilegalidade que assola o âmbito econômico-cultural de nosso país, uma vez que desvaloriza o autor, reduz a criação de empregos formais e diminui a arrecadação do Estado no que tange a impostos.
Palavras-chave: pirataria; crime; violação ao direito do autor; Direito Autoral.
I Visão Crítica e o Porquê da Pergunta
A expressão popular “pirataria” é utilizada para caracterizar o comércio ilegal e não autorizado de produtos. Contudo, tal conduta configura-se como forma de transgressão ao direito de autor, tratando-se de crime cuja pena pode atingir até quatro anos de reclusão, conforme vaticina o artigo 184 e parágrafos do Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal Brasileiro (CPB).
De outra parte, é notório o fato de que o Brasil há anos está sendo assolado pela “pirataria” e de que considerável parte dela vem recaindo sobre CDs e DVDs, que, com seus preços módicos, atraem consumidores de todos os níveis de renda.
Destarte, a falsificação de tais mídias com intuito de obter lucro vem constituindo fenômeno corriqueiro em nosso meio social, uma vez que, em qualquer centro de cidade, há a comercialização sem haver, entretanto, fiscalização preventiva e repressiva, tanto por parte do Estado quanto pelos órgãos administrativos que tutelam e representam os autores.
Assim, se a Carta Política da República de 1988, que é a Lei Fundamental e o limite do poder dentro da esfera estatal, garante aos autores (art. 5º, incisos XXVII e XXVIII) a proteção às suas obras e o estatuto repressivo estabelece, em seu dispositivo 184, ser um tipo penal a violação de direito autoral, por que aparenta não ser crime a compra e venda de CDs e DVDs contrafeitos em nosso país?
Tal pergunta paira no ar devido ao fato de sempre haver pessoas comercializando normalmente CDs e DVDs não originais nos centros comerciais das cidades brasileiras. Isso, mesmo após haver a ocorrência de fiscalizações por parte da polícia e de órgãos protetivos dos autores, que, registre-se, são pouco freqüentes.
Somado a isso, outro fator que suscita tal indagação refere-se às sanções aplicáveis a tal violação, uma vez que acabam não atingindo o efeito esperado por serem brandas o suficiente para não inibirem, muitas das vezes, uma nova prática de tal ilícito.
Com efeito, a resposta a esta problemática tende a bifurcar-se em pontos de vista em que, apesar de ambos considerarem crime a referida prática, um entende ser suficiente a aplicação de pena branda por entender ser tal ilícito de baixo potencial ofensivo, e a pena restritiva de direitos, bem como o instituto da transação penal, constituírem instrumento hábil para punir os infratores, até mesmo porque muitos alegam que a sociedade tolera tal conduta. Já o outro entende ser o correto a aplicação da pena estabelecida pelo dispositivo penal que abarca o tema, pois, somente dessa forma, o bem jurídico direito autoral teria a devida proteção prevista pela Constituição da República.
Posto isso, a bem da verdade, o fato é que tais produtos falsificados são financiados, em sua maior parte, pela máfia estrangeira implantada em nosso país, gerando um retorno financeiro rápido, capaz de financiar outras atividades ilegais, tais como o tráfico de drogas ou de armas.
Feitas tais ponderações, como, então, definir “pirataria”, fenômeno crescente que provoca grandes prejuízos à economia brasileira e aos autores?
Entende-se por pirataria a reprodução, a distribuição, bem como a venda de produtos sem o pagamento de direitos autorais e sem a devida autorização.
O artigo 1º, § único, do Decreto Federal 5.244, define “pirataria” como a violação aos direitos autorais resguardados pelas Leis 9.609/98 (softwares) e 9.610/98 (direitos autorais).
O professor Henrique Gandelman, citado por Elisângela Dias Menezes[2], define “pirataria” da seguinte forma:
Chama-se vulgarmente de pirataria à atividade de copiar ou reproduzir bem como utilizar indevidamente – isto é, sem a expressa autorização dos respectivos titulares – livros ou outros impressos em geral, gravações de sons e/ou imagens, software de computadores, ou ainda, qualquer outro suporte físico que contenha obras intelectuais legalmente protegidas.
Nesse toar, pirataria constitui atividade lesiva ao Estado, à indústria fonográfica, aos comerciantes legalmente estabelecidos e, principalmente, aos autores de obras musicais e cinematográficas.
Assim, por esses e por outros motivos, constata-se que a “pirataria”, além de causar outros males, impossibilita a criação de empregos formais pela retração dos investimentos do setor fonográfico, traz prejuízos aos cofres públicos, em razão dos valores de impostos que deixam de ser recolhidos, e faz com que o artista não desfrute dos reflexos econômicos provenientes de sua obra.
Luiz Paulo Barreto[3], ex-presidente do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP), órgão do Ministério da Justiça, expôs o seguinte sobre a pirataria e a máfia:
A pirataria foi dominada pelo crime organizado. Há máfias chinesas, coreanas, libanesas e brasileiras operando com a pirataria no Brasil e no mundo e essa profissionalização da pirataria exige também uma repressão mais qualificada do poder público.
Portanto, passada é a hora do Poder Público aplicar o disposto na lei autoralista e nos demais dispositivos legais aplicáveis, além, também, de tomar medidas verdadeiramente repressivas para, ao menos, diminuir a pirataria, uma vez sabido que conseguir sua extinção é tarefa praticamente impossível.
De tal forma, caso isso não ocorra, a impunidade aos agentes violadores restará instalada e os agentes produtores intelectuais não gozarão da efetiva guarida prevista em nosso ordenamento jurídico, em especial na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, Lei de Direitos Autorais (LDA).
Não obstante, ao mesmo tempo em que se roga pela proteção do direito autoral, assaz importante é estabelecer uma diferenciação mais clara e específica entre as condutas que acabam por violar tal direito, de forma que haja a imposição de pena correspondente à transgressão praticada.
Como exposto no Trabalho de Conclusão do Curso de graduação em Direito, acreditamos que:
[…], a impunidade vem prevalecendo, uma vez que aos violadores do referido direito não esta havendo a devida imposição de sanções estabelecidas em nosso arcabouço jurídico ora em vigor. E quando da sua aplicação, não há a devida distinção, por exemplo, entre a pessoa que vende CDs e DVDs piratas e aquele que comanda uma rede de contrabando de tais bases e as distribui […].[4]
O doutrinador Plínio Cabral[5], sustentando que a partir do momento que uma lei é sancionada e entra em vigor deve ela ser respeitada e aplicada, estabelece o que se transcreve a seguir:
Posta uma lei no mundo jurídico, ela deve ser observada e aplicada. A observância é um ato objetivo, seja qual for sua origem: consciência, civismo, temor, pressão social, religiosidade.
A aplicação da norma é um ato coercitivo, que se exerce direta ou indiretamente. […]
O Estado, por sua vez, exerce com plenitude esse poder de império, seja por si próprio, o que se plasma principalmente naquelas leis cogentes, seja sob invocação dos interessados, que recorrem a órgãos especializados para que o violador de determinados interesses seja compelido à observância do preceito legal.
Já Maquiavel, citado pela professora Maria Lúcia de Arruda Aranha[6], estabelece que: “[…] o exemplo mais funesto que pode haver, a meu juízo, é o de criar uma lei e não cumpri-la […]”.
Na linha dessa idéia, assaz importante trazer a baila o posicionamento do doutrinador Henrique Gandelman[7]:
O que se deseja não é minimizar a utilização da ferramenta tecnológica, diminuir as extensões da informação humana ou enclausurar a cultura para torná-la privilégio de elites. Apenas regular a reprografia, protegendo, assim, os direitos autorais daqueles que criam e de alguma forma comunicam conhecimento e emoções.
Nesta seara, forçoso é fazer valer o estabelecido em nosso ordenamento jurídico e punir tanto os grandes mentores das organizações criminosas responsáveis pela pirataria, quanto os pequenos vendedores, que fazem da violação do direito autoral uma forma de faturar dinheiro e, assim, custear a prática de outros crimes, como por exemplo, o tráfico de drogas.
II Visão Normativa, Especializada e Crítica
Do ponto de vista normativo, o comportamento daquele que expõe à venda, com intuito de lucro, ou mesmo adquire obra artística reproduzida sem a devida autorização configura conduta lesiva à sociedade, pois retira do autor o direito constitucional de obter os reflexos econômicos oriundos de sua criação.
Outrossim, ululante é o caráter transgressor dessa comercialização de mídias não originais, uma vez que a legislação ordinária tutela o bem jurídico “propriedade intelectual”, por meio da criminalização da referida conduta.
Assim, no intuito de demonstrar o tratamento dado por nossos Tribunais, aqui ilustrado pela compreensão do Egrégio Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT)[8], quando o tema é a violação ao direito de autor, eis o entendimento jurisprudencial ao se aplicar o disposto na lei e nos dispositivos legais aplicáveis. Vejamos as seguintes ementas:
RECEPTAÇÃO E VIOLAÇÃO AOS DIREITOS AUTORAIS. DOLO CARACTERIZADO PELAS CIRCUNSTÂNCIAS DO FATO. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. Em se tratando o crime de receptação, a aferição do dolo do agente é muito difícil, visto ser impossível perscrutar o seu íntimo, podendo, assim, ser alcançado pelas circunstâncias exteriores e indícios que rodeiam o fato delitivo.
2. Sendo o direito autoral um bem jurídico tutelado pela Constituição da República, não pode o Estado abster-se de combater veementemente aqueles que o violam, acobertando a reprodução e venda clandestina de CDs e DVDs piratas, que constitui um dos pilares do crime organizado e de uma enorme cadeia criminosa internacional.
3. Recurso conhecido e improvido. (negrito nosso)
PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. VENDA DE CDS E DVDS PIRATAS. PRINCÍPIOS DA INTERVENÇÃO MÍNIMA E DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. INAPLICÁVEIS. CONDUTA TÍPICA E RELEVANTE. COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE E INDÍCIOS DE AUTORIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.
1 – Os princípios da adequação social e da intervenção mínima são aplicáveis, respectivamente, quando à conduta é socialmente permitida ou tolerada e quando considerada não lesiva ao bem jurídico tutelado pela norma incriminadora. Não é o caso da comercialização de produtos piratas, cuja prática, ainda que freqüente e aceita por muitos consumidores, em razão do menor valor cobrado, avilta sensivelmente os direitos do autor.
2 – Recurso provido para cassar a decisão do juízo a quo e receber a denúncia. (negrito nosso)
Em outro julgado, também, proveniente do colendo TJDFT[9], eis a seguinte ementa que se transcreve a seguir:
PENAL. APELAÇÃO. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. TIPICIDADE MATERIAL. ADEQUAÇÃO SOCIAL NÃO VERIFICADA. CONDENAÇÃO. RECURSO PROVIDO.
1. Não há que se confundir conduta comumente verificada com ação socialmente adequada. Não se observa a adequação social quando a conduta do agente atenta, de forma relevante, contra bens jurídicos importantes, eleitos pelo legislador como merecedores da proteção penal.
2. Restando devidamente comprovada a exposição a venda de CDs/DVDs falsificados, observa-se a configuração de conduta típica, formal e materialmente, prevista no art. 184, §2º, do Código Penal, impondo-se a condenação do acusado.
3. Recurso provido. (destaque não constante no original)
Na esteira desse raciocínio, o Pretório Excelsior[10], quando do julgamento do HC 98898/SP, cujo relator foi o eminente Ministro Ricardo Lewandowski, pronunciou-se da seguinte maneira:
A Turma indeferiu habeas corpus em que a Defensoria Pública do Estado de São Paulo requeria, com base no princípio da adequação social, a declaração de atipicidade da conduta imputada a condenado como incurso nas penas do art. 184, § 2º, do CP (“Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: … § 2º Na mesma pena do § 1º incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de quem os represente.”). Sustentava-se que a referida conduta seria socialmente adequada, haja vista que a coletividade não recriminaria o vendedor de CD’s e DVD’s reproduzidos sem a autorização do titular do direito autoral, mas, ao contrário, estimularia a sua prática em virtude dos altos preços desses produtos, insuscetíveis de serem adquiridos por grande parte da população.Asseverou-se que o fato de a sociedade tolerar a prática do delito em questão não implicaria dizer que o comportamento do paciente poderia ser considerado lícito. Salientou-se, ademais, que a violação de direito autoral e a comercialização de produtos ― “piratas” ― sempre fora objeto de fiscalização e repressão. Afirmou-se que a conduta descrita nos autos causaria enormes prejuízos ao Fisco pela burla do pagamento de impostos, à indústria fonográfica e aos comerciantes regularmente estabelecidos. Rejeitou-se, por fim, o pedido formulado na tribuna de que fosse, então, aplicado na espécie o princípio da insignificância — já que o paciente fora surpreendido na posse de 180 CD’s ― “piratas” — ao fundamento de que o juízo sentenciante também denegara o pleito tendo em conta a reincidência do paciente em relação ao mesmo delito. HC 98898/SP, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 20.4.2010. (HC-98898) (Informativo 583 – 1ª Turma) (sem ênfase no original)
Assim, é dever do Estado combater e tentar solucionar esse grave problema, intensificando a fiscalização tanto nos locais de venda, quanto nas fronteiras de nosso país, local de passagem de tais produtos piratas, e, também, conscientizando a população, que precisa entender as reais conseqüências desse tipo de aquisição.
Sob a ótica especializada, constata-se que o Brasil vem atravessando uma grave crise em razão da pirataria e do comércio ambulante de CDs e DVDs, uma vez que o autor não está recebendo justa contraprestação financeira por sua obra, e o Estado, as indústrias e os comerciantes devidamente instalados estarem sofrendo consideráveis prejuízos financeiros. Logo, nossas autoridades devem assumir uma postura desprovida de hipocrisia e começar a encarar e combater rigidamente este mal.
Nesse toar, Luiz Paulo Barreto, em entrevista ao “Em Questão”[11], relatou o que se transcreve ipsis verbis:
[…] é primordial para o Brasil deixar de encarar a pirataria como um fenômeno social. Luiz Paulo também explica como a pirataria impede a criação de novos postos de trabalho formais e faz com que o país deixe de arrecadar R$ 27,8 bilhões por ano, o equivalente a mais de quatro vezes o montante de recursos previstos para o programa Bolsa Família [de 2005]. (sem ênfase no original)
Retratando em números esse ponto de vista especializado, importante destacar que, de acordo com a Associação Brasileira de Produtores de Disco (ABPD)[12], os efeitos da pirataria, no período compreendido entre 1997 e 2005, reduziu em 50% os postos de trabalho direto, causou o fechamento de 3.500 pontos de venda, diminuiu em 50% o número de artistas contratados, ocasionou a perda de 80 mil vagas de emprego no setor fonográfico e fez com que R$ 500 milhões anuais não fossem arrecadados pelo Estado.
Ergo, não restam dúvidas que pirataria é um mal que deve ser combatido veementemente, pois o direito autoral trata de um bem jurídico ao qual a Carta Política da República dispensa sua tutela no rol das cláusulas pétreas. Posto isso, nada mais justo que o preconizado pela Constituição Federal de 1988 seja aplicado, garantindo ao autor proteção a sua obra.
Sob o ponto de vista crítico, não há falar que a comercialização de mídias contrafeitas encontra respaldo da sociedade, pois tal conduta atenta gravemente um bem jurídico constitucionalmente protegido.
Na linha desse raciocínio, vejamos o seguinte precedente oriundo do Superior Tribunal de Justiça (STJ)[13]:
HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO A 2 ANOS DE RECLUSÃO, EM REGIME SEMI-ABERTO, E MULTA, PELA PRÁTICA DO DELITO DE VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL (ART. 184, § 2o. DO CPB). POSSE, PARA POSTERIOR VENDA, DE 180 CD’S PIRATAS. INADMISSIBILIDADE DA TESE DE ATIPICIDADE DA CONDUTA, POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL. INCIDÊNCIA DA NORMA PENAL INCRIMINADORA. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM DENEGADA.
1. O paciente foi surpreendido por policiais estando na posse de 180 cds de diversos títulos e intérpretes, conhecidos vulgarmente como cds piratas; ficou constatado, conforme laudo pericial, que os cds são cópias não autorizadas para comercialização.
2. Mostra-se inadmissível a tese de que a conduta do paciente é socialmente adequada, pois o fato de que parte da população adquire tais produtos não tem o condão de impedir a incidência, diante da conduta praticada, o tipo previsto no art. 184, § 2o. do CPB. 3. Parecer do MPF pela denegação da ordem. 4. Ordem denegada. (negrito nosso)
De outro turno, não parece prudente tolerar uma atividade que, apesar de gerar emprego, sem direitos trabalhistas e previdenciários, para alguns causa a redução do número de empregos formais, o fechamento de lojas e indústrias legalmente estabelecidas, a sobrecarga do sistema previdenciário e o desestímulo à pesquisa e à cultura diante da falta de respeito aos direitos autorais.
Por oportuno, frisa-se, outra vez mais, que o importante, por mais que haja opiniões contrárias, é haver punição ao indivíduo que transgride o estabelecido no arcabouço normativo penal e viola um preceito disposto na Constituição Federal de 1988, que garante ao autor a proteção de suas obras. Em outras palavras, o que deve prevalecer, sem sombras de dúvida, é o direito em que o autor tem de garantir proteção ao que por ele foi externado e desfrutar dos reflexos econômicos.
Assim, ilustrando a visão crítica expendida, o doutrinador Bruno Hammes, citado pela professora Elisângela Menezes[14] faz o seguinte comentário ao considerar que, em determinadas situações, somente uma sanção penal poderia coibir o cometimento de práticas ilícitas autorais, tendo em vista haver casos nos quais o violador do direito autoral não detém condições financeiras para reparar a lesão produzida. Vejamos:
Em muitos casos, só uma medida mais drástica pode reprimir o grande número de violações. Se as sanções penais forem de tal porte que intimidem os violadores, só a possibilidade de sua aplicação se mostra geralmente mais eficaz do que as sanções cíveis. No caso, de um violador que não tem bens e que causa grandes danos aos autores, só resta a privação da liberdade.Instalar a impunibilidade jamais protegerá os autores. (negrito nosso)
Por derradeiro, verifica-se que, embora o combate deva ser voltado e focado no grande produtor e/ou vendedor de mídias contrafeitas, forçoso é reconhecer que a distribuição feita pelos vendedores ambulantes e por feirantes constitui conduta ilícita e representa uma ampla parcela da máquina da pirataria, razão pela qual o Estado deve exercer seu poder de repressão, inibindo, por conseqüência, o funcionamento de tais organizações criminosas.
III Conclusão
Diante desta abordagem multifacetada, percebe-se que a conduta daquele que expõe a venda e/ou adquire CDs e DVDs contrafeitos configura crime descrito no Código Penal.
Outrossim, estando o direito autoral previsto na Carta Magna como direito fundamental, a ofensa a tal bem jurídico não pode ser considerada de menor relevância. Assim, por mais que exista tolerância com a comercialização de mídias falsas, não se pode considerar que exista aceitação, até porque, além da mencionada conduta ser alvo de repressão por parte do Estado, ela não tem o condão de impedir a incidência dos dispositivos aplicáveis à transgressão ao direito de autor.
No entanto, ao contrário do que possa parecer, tal maneira de pensar não se trata de visão pró-gravadora, pois esta possui parcela de culpa, e sim de um entendimento estabelecido em lei.
Nesse sentido, sendo o comércio de mídias não originais uma conduta ilícita, certo é haver a censura jurídica, devendo, então, incorrer a aplicação da lei penal.
Assim, merecem condenação os pequenos vendedores, pessoas que, querendo ou não, violam o estabelecido em lei e ofendem um bem jurídico tutelado pela Constituição Federal.
Importante consignar, entretanto, que sensato seria estabelecer uma diferença entre as formas e as intenções pretendidas ao se violarem os direitos autorais, pois a transgressão daquele que comanda uma rede criminosa responsável pela falsificação de CDs e DVDs não é a mesma do vendedor ambulante que pratica o comércio de tais produtos contrafeitos.
De outro turno, importante considerar que a “pirataria” impede a diminuição do mercado informal de trabalho, prejudicando, por conseqüência, pessoas até então empregadas, mas que correm riscos de serem dispensadas devido à baixa arrecadação de lucros por parte das empresas que as contratam e arcam com seus salários, bem como causa prejuízos aos cofres públicos, em razão dos impostos não recolhidos, e desestimula a criação e produção cultural, uma vez que o autor ou o artista sofrem prejuízos ao não receber os reflexos econômicos procedente de sua criação.
Por fim, para solucionar esse grave problema, necessário é o Estado e os órgãos competentes intensificarem a fiscalização nos locais de venda e nas fronteiras brasileiras e, também, conscientizarem os consumidores que a aquisição de tais produtos constitui crime e que sua prática acarreta conseqüências nefastas à população e ao País.
Assim, talvez, somente agindo dessa forma é que nossa sociedade comece a ter uma cultura de apreço às obras artísticas, sejam elas musicais ou cinematográficas, por exemplo.
REFERÊNCIAS
ARANHA, Maria Luiza de Arruda. Maquiavel, a Lógica da Força. São Paulo: Moderna, 1994.
CABRAL, Plínio. Direito Autoral: dúvidas e controvérsias. 3. ed. São Paulo: Rideel, 2009.
FUGIWARA, Thiago Alves. Direito Autoral e o Compartilhamento de Arquivos Musicais na Internet. Faculdade de Direito FACIPLAC, 2009.
GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à Internet. 5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Record, 2007.
MENEZES, Elisângela Dias. Curso de Direito Autoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
* Advogado especialista em Direito do Trabalho, pós-graduando em Direito e Processo Civil, autor de outros artigos jurídicos, servidor público e colaborador no Escritório de Advocacia NBR & Magalhães.
** Dedico este ensaio aos meus pais Eliane e Akihiko, a Eleusa Ribeiro, Kátia Aparecida, Kercia de Sousa, Berta Celli, Adriana Lopes, Isolda Bezerra, Kelly Brito, Hayane e ao Dr.º Rafael Funayama.
[1] FUGIWARA, Thiago. Miscelânea. Disponível em: <www.myspace.com/thiagofugiwara/blog>. Acesso em: 28 jul. 2011.
[2] GANDELMAN apud MENEZES, Elisângela Dias. Direito Autoral. p.127.
[3] Combate à pirataria: MJ quer legislação mais dura no país. Disponível em: <http://www.convergenciadigital.com.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=21173&sid=18> Acesso em: 29 jul. 2011.
[4] FUGIWARA, Thiago Alves. Direito Autoral e o Compartilhamento de Arquivos Musicais na Internet. Faculdade de Direito FACIPLAC, 2009
[5] CABRAL, Plínio. Direito Autoral: Dúvidas e Controvérsias. 3. ed. São Paulo: Rideel, 2009. p. 35.
[6] ARANHA, Maria Luiza de Arruda apud MAQUIAVEL. Maquiavel, a Lógica da Força. São Paulo: Moderna, 1994. p. 132.
[7] GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à Internet. 5ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Record, 2007. p. 59.
[8] 20040710146384APR, Relator NILSONI DE FREITAS, 2ª Turma Criminal, julg. em 19/02/2009, p. 146 e 20111210010213RSE, Relator CÉSAR LOYOLA, 1ª Turma Criminal, julg. em 07/07/2011, p. 133.Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br> Acesso em: 8 de jul. de 2011.
[9] 20101210051246APR, Relator JOÃO TIMOTEO DE OLIVEIRA, 2ª Turma Criminal, julg. em 16/06/2011, DJ 29/06/2011, p. 164. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br> Acesso em: 7 de jul. de 2011.
[10] Informativo 583 do STF
[11] Morte do Rei do Pop aquece a venda de cds piratas. Disponível em: <http://www.midiamax.com/view.php?mat_id=518756> Acesso em: 28 de jul. de 2011.
[12] Os Efeitos da pirataria no setor fonográfico. Disponível em: <http://www.abpd.org.br/pirataria_dados.asp> Acesso em 29 de jul. de 2011.
[13] HC 113.938/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 5ª Turma, julgado em03/02/2009, DJ 09/03/2009.
[14] HAMMES, Bruno Jorge apud MENEZES, Elisângela Dias. Curso de Direito Autoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 142.