Após uma passagem pela parte histórica dos contratos, seus princípios e classificações, percebe-se que o preceito da obrigatoriedade das convenções ou da força obrigatória dos contratos apóia-se no direito moderno com atenuações que não lhe tiram a subsistência. O pacta sunt servanda ainda impõe a responsabilidade pelo compromisso assumido, pois, se assim não fosse, em risco estaria toda a segurança do ordenamento jurídico.
Entretanto, urge esclarecer que, se anteriormente “a autonomia da vontade era o lema do direito contratual, hoje, os dísticos como boa-fé, equilíbrio contratual e função social do contrato se impõem”.[1][1]
Nesse passo, tem-se em nossos dias o fortalecimento da função social; esse preceito reflete-se na idéia que o contrato deve ser permeável as condicionantes sociais que o cercam, ou seja, o negócio jurídico não deve ser concebido como uma relação jurídica que interesse apenas as partes contratantes e venha, assim, prejudicar o coletivo. [2][2]
Mister lembrar que os contratos possuem tanto princípios tradicionais como autonomia da vontade e força obrigatória dos contratos quanto princípios liberais, onde se tem como exemplos às normas gerais da relatividade dos efeitos dos contratos como a boa fé e a função social do sinalagma. Cabe aqui esclarecer que, apesar da limitação imposta a autonomia privada quando esta se mostrar incompatível com o meio social, os princípios gerais merecem respeito visto que ainda representam o espírito do ordenamento jurídico.
De outra parte, enfocando os preceitos liberais, o artigo 421 dispõe: “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. Tal artigo não encontra parâmetros no código civil de 1916. Entretanto, esse dispositivo enfoca o contrato com uma nova visão e “constitui a projeção do valor constitucional expresso como garantia fundamental dos indivíduos e da coletividade que está no art. 5º, XXIII[3][3], da Constituição Federal”.[4][4]
No entanto, interessante notar a imprecisão nesse dispositivo infraconstitucional que, desse modo, impede a plena consagração da supramencionada idéia de função social, que realmente é um limite para a liberdade contratual, ou seja, liberdade de contratar o que e como quiser o conteúdo do contrato. Todavia, não é, conforme dispõe o texto legal, a razão para a liberdade de contratar (celebrar ou não um contrato com quem, quando e se quiser). Percebe-se assim a imprecisão terminológica do artigo 421 do código civil, pois, esse, determina textualmente que a liberdade de contratar será exercida em razão da função social.
Em verdade, “trata-se de liberdade contratual, aquela pertinente à limitação do conteúdo do contrato, por força de norma de ordem pública, e não de liberdade de contratar, esta sim fundada na dignidade da pessoa humana e resultante da alta expressão da autonomia privada”. [5][5]
Além disso, a liberdade de contratar poderá encontrar na função social, que é inerente ao contrato, “uma limitação à sua extensão meramente volitiva, uma vez que nem sempre os contratantes poderão, sem estes freios, fixar livremente as cláusulas de seu contrato”. [6][6]
Em desacerto ainda está em dois momentos de sua composição. Quando descreve que a “liberdade de contratar” será exercida “em razão” e no limite da função social do contrato.
Conforme já dito anteriormente, inadequada é a afirmação de que a liberdade de contratar será exercida em razão da função social visto que, esta, deriva da expressão da autonomia privada. No entanto mister esclarecer que a liberdade contratual, ou seja, a liberdade de estabelecer o conteúdo do contrato, esta sim, deverá ser exercida nos limites da função social.
Ante o exposto e, apesar da imprecisão terminológica do artigo 421 do código civil, infere-se que a nova realidade contratual “deve ser exercida tendo em mira a função social do contrato, de modo que o instituto em análise deverá ser amoldado aos ideais do estado social, sob pena de não ser válido”.[7][7]
Diante disso, parece ser mais correta a expressão liberdade contratual (liberdade de estipular o conteúdo do contrato), pois, essa sim, deverá ser exercida nos limites da função social.
A partir dessa análise deduz-se que, atualmente, o direito civil está marcado pela socialidade, isto é, reage ao excessivo individualismo característico da era oitocentista, conforme expresso pelo coordenador dos trabalhos do código civil em sua exposição de motivos.
Desse modo, há de se concluir que os interesses individuais ainda prevalecem, ou seja, os pactos previamente estipulados devem ser respeitados, no entanto, tais negócios jurídicos sofrerão restrições a partir do momento que invadirem a seara dos interesses sociais.
[1][1] TEIZEN JUNIOR, Augusto Geraldo. A função social no código civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 115.
[2][2] NEGREIROS, Teresa. Teoria do contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 206.
[3][3] Art. 5º, XXIII. A propriedade atenderá a sua função social.
[4][4] MARTINS COSTA, Judith. Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 157.
[5][5] BURGARELLI, Aclibes…[et al.]; organizadores: Frederico A. Paschoal e José Fernando Somões. Contribuições ao estudo do novo direito civil. São Paulo: Millennium, 2003, p. 51 apud Giselda Novaes Hironaka.
[6][6] BURGARELLI, Aclibes…[et al.]; organizadores: Frederico A. Paschoal e José Fernando Somões. Contribuições ao estudo do novo direito civil. São Paulo: Millennium, 2003, p. 52.
[7][7] MATEO JUNIOR, Ramon. A função social e o princípio da boa-fé objetiva nos contratos do novo código civil. Disponível em www.jusnavegandi.com.br. Acesso em 02.03.2005.