DIREITO AUTORAL E O COMPARTILHAMENTO DE ARQUIVOS MUSICAIS NA INTERNET

Thiago Alves Fugiwara*

“Quando um simplório insultou Buda, ele o ouviu em silêncio; porém, quando o homem terminou, Buda perguntou-lhe: ‘Filho, se um homem se recusasse a receber um presente feito para ele, a quem pertenceria o presente?’.

O homem respondeu: ‘À pessoa que o ofereceu’. ‘Meu filho’, disse Buda, ‘recuso-me a aceitar o teu insulto, e peço que guardes para ti mesmo!’”.[1]

Resumo

O presente trabalho, dividido de modo a abordar alguns dos aspectos de grande relevância no mundo do Direito Autoral, tem por escopo analisar e atrair a atenção da comunidade acadêmica para o estudo deste ramo jurídico autônomo frente à importância moral, intelectual e econômica da obra advinda da destreza mental humana, que se trata, verdadeiramente, de um patrimônio do autor. Trará ainda, a importância em se garantir à sociedade o acesso às obras e, ao mesmo tempo, a de se reconhecer e proteger os direitos morais e patrimoniais do agente produtor intelectual frente ao uso indevido da Internet e ao compartilhamento de arquivos musicais entre seus usuários por meio de sites softwares.

 

Palavras-chave: Direito Autoral; Internet e compartilhamento de arquivos musicais.

 

1. Introdução

 

Nos dias de hoje, frente à invenção e a evolução de novas tecnologias, na qual se destaca a Internet, de modo geral, os softwares de compartilhamento de arquivos musicais, além, ainda, dos equipamentos de gravação, que proporcionam total comodidade e facilidade a quem os utiliza, e ao agente produtor intelectual musical que se encontra assaz desprestigiado e sem incentivos para continuar contribuindo com sua obra, uma vez que seus direitos são comumente violados e quase nunca lhe são passados uma retribuição financeira, tal embate merece uma análise em apartado.

De tal maneira, a questão a que se dedica o presente trabalho está em analisar a problemática, o embate existente entre autor e internauta e a dualidade de direitos existente previstos na Carta Política da República, que acabam por resguardar ambos os interesses.

 

1.1 Escorço Histórico

 

A história do direito de autor remonta a tempos longínquos, tendo surgido, efetivamente, na Idade Média (séculos V a XV), uma vez que, na Antiguidade (do aparecimento da escrita até o século V) havia, até então, por não existir qualquer estruturação capaz de atender os anseios dos criadores intelectuais, apenas uma reivindicação por parte dos autores da época para que se houvesse o reconhecimento da paternidade das obras por eles exteriorizadas.

Dessarte, após a criação da prensa tipográfica pelo alemão Johann Gutemberg por volta do ano de 1450, o Direito Autoral começou a ser engendrado, conquistando, a partir de então, a atenção dos monarcas, soberanos que detinham o poder sobre as três esferas do Estado. Posto isso, vislumbravam, então, a possibilidade de explorar economicamente as obras impressas, pois, a partir daí, elas começavam a passar de um trabalho artesanal e manuscrito para uma produção de envergadura industrial.

Nessa conformidade, vieram à tona questões que abordavam a propriedade e a autoria sobre as obras escrevinhadas à época, tendo em vista que os escritos ao invés de continuarem sob a guarda dos autores começavam a circular pela sociedade por meio das cópias realizadas. Contudo, somente por volta do ano de 1710 a primeira regulamentação jurídica no âmbito do Direito Autoral surgiu na Inglaterra. Nela, por ato da Rainha Ana, houve o sancionamento da primária Lei que tratou do tema, denominada de Copyright Act, reconhecendo o direito à cópia, como um meio de resguardar a criação artística.

Passados outros tantos anos, houve, na Suíça em 1886, a Convenção de Berna, um verdadeiro marco para o Direito Autoral, onde diversos países concordaram em estabelecer diretrizes de aplicação das normas voltadas ao direito de autor. A intenção era fazer que tais diretivas refletissem em seus ordenamentos jurídicos, garantindo uma proteção aos autores.

No Brasil, o Direito Autoral surge em tempos mais recentes, praticamente com a criação dos cursos jurídicos em 1827, nas cidades de São Paulo e Olinda, sendo que a Lei que criou tais cursos assegurou aos professores o direito sobre as suas obras por um período de dez anos. O artigo 7º desta lei estipulava o seguinte:

 

Os Lentes farão a escolha dos compêndios da sua profissão, ou os arranjarão, não existindo já feito, contanto que as doutrinas estejam de acordo com o sistema jurado pela nação. Esses compêndios, depois de aprovados pela Congregação, servirão interinamente, submetendo-se porém, a aprovação da Assembléia Geral, e o governo fará imprimir e fornece às escolas, competindo aos seus autores o privilégio exclusivo da obra por dez anos.(sem ênfase no original)

 

Tempos depois, em 1831, no Código Criminal do Império, houve o reconhecimento moral ao autor. Neste sentido, estabeleceu-se uma pena para aqueles que utilizassem uma obra de autor ainda vivo, ou, no caso de haver herdeiro, antes de dez anos após sua morte.

Quando da promulgação do Código Penal da República no ano de 1890, verificou-se a instituição do delito de contrafação, cuja punição era a perda dos exemplares, tratando, assim, especificamente do tema em questão.

Um ano mais tarde, a Constituição de 1891 caucionou aos autores de obras literárias e artísticas o exclusivo direito de reproduzi-las por meio da imprensa ou outro processo mecânico, confiando aos herdeiros o desfrute de tal direito pelo tempo em que a lei determinasse.

Ad postremum, o nascente Código Civil Brasileiro, Lei nº 3.071, de 1º de agosto de 1916, acabou por consolidar o direito de autor e consagrou um capítulo especial sob o título “Da Propriedade Literária, Científica e Artística”, protegendo o autor durante a vida e ainda por um prazo determinado de 60 anos em favor dos herdeiros.

No ano de 1973, o primeiro diploma legal único foi editado e acabou por derrogar os artigos existentes no arcabouço normativo cível referente ao tema, resultando na Lei 5.988, seguindo, assim o entendimento doutrinário de que, devido à multiplicidade de aspectos e sua especificidade, não deveria ele permanecer incluído no Codex Civil. Tal lei representou um marco para o Direito Autoral Brasileiro, pois tutelava, além dos direitos dos criadores, os dos titulares de direitos conexos.

Com o intuito de acompanhar as inovações surgidas à época, o último texto em matéria autoral no Brasil veio a surgir com o advento da Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 (Lei de Direitos Autorais – LDA). Nela, as linhas de pensamento enunciadas nas Convenções Internacionais nas quais o Brasil veio a ratificar acabaram sendo seguidas.

Outras novidades importantes foram a enumeração e exemplificação do que deve e do que não merece ter a proteção dessa Lei, a indicação de situações onde o autor deve tolerar sem autorização, o uso de sua obra e a modificação do sistema de prazos, no tocante à vigência dos direitos patrimoniais, que saltou de sessenta para setenta anos após a morte do autor.

1.2 Conceitos

 

Tem-se como conceito de direitos autorais, o conjunto de normas cujo intuito visa tratar e/ou regular relações que decorram de criações, de obras do intelecto – aqui entendidas como sendo qualquer criação da mente e que, de qualquer forma, seja externada – e sua utilização, tanto em nível nacional quanto internacional, compreendendo os direitos de autor e os conexos, garantindo, assim, os direitos patrimoniais e morais a quem criou.

No que tange a autoria, urge trazer à tona o conceito de autor previsto no artigo 11 da Lei de Direitos Autorais – LDA, no qual estabelece ser “toda pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica”.

De outro norte, importante, também, destacar a definição estabelecida pela LDA sobre o que vem a ser obras intelectuais, senão vejamos:

 

Art. 7º. São obras intelectuais protegidas as criações de espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

I – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;

II – as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;

III – as obras dramáticas e dramático-musicais;

IV – as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;

V – as composições musicais, tenham, ou não, letra;

VI – as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;

VII – as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;

VIII – as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;

IX – as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;

X – os projetos, esboços, e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;

XI – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;

XII – os programas de computador;

XIII – as coletâneas ou complicação, antologias, enciclopédias, dicionários, base de dados ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.

 

Diante disso, verifica-se que a intenção do direito de autor é normatizar, controlar relações jurídicas entre o criador e sua criação, garantindo a vinculação de seu nome junto à sua obra e lhe assegurando uma retribuição financeira, isso, em contrapartida da utilização da obra em que inventou. Desta maneira, os autores se tornaram beneficiários de uma proteção na qual este ramo do direito dá as suas obras e não a eles especificamente.

Ao citar o direito conexo, um direito que deriva de outro, a Lei 9.610/98 acaba por considerá-lo como uma parte da expressão direitos autorais, estendendo, assim, as normas relativas à tutela do direito de autor aos direitos conexos. O artigo 89 da Lei de Direitos Autorais, integrante do Título V, que trata dos Direitos Conexos, assim preconiza:

 

Art. 89. As normas relativas aos direitos do autor aplicam-se, no que couber, aos direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão.

Parágrafo único. A proteção desta Lei aos direitos previstos neste artigo deixa intacta e não afeta as garantias asseguradas aos autores das obras literárias, artísticas ou científicas.

 

Ante o exposto, sábias são as palavras do professor Carlos Alberto Bittar[2] ao definir direitos conexos, vejamos:

 

Direitos conexos são os direitos reconhecidos, no plano dos de autor, a determinadas categorias que auxiliam na criação ou na produção ou, ainda, na difusão da obra intelectual. São os denominados direitos “análogos” aos de autor, “afins”, “vizinhos”, ou, ainda, “parautorais”, também consagrados universalmente.

 

Noutro ponto, importante perceber que o Direito Autoral é aludido quase sempre na forma plural, fato que demonstra não ser ele um direito isolado, mas sim um conjunto, evidenciando o caráter duplo entre os direitos morais e patrimoniais que assinalam sua essência.

Neste diapasão, o direito moral firma-se como um caráter de proteção subjetivo do criador, já o direito patrimonial vem a ser a exclusiva possibilidade de reconhecer ao autor a exploração econômica da obra em que criou para dela obter algum proveito financeiro. Na esteira desse raciocínio, eis o posicionamento do ilustre doutrinador Carlos Alberto Bittar[3]:

 

Isto significa que o objetivo do Direito de Autor é a disciplinação das relações jurídicas entre o criador e sua obra, desde que de caráter estético, em função seja da criação (direitos morais), seja da respectiva inserção em circulação (direitos patrimoniais), e frente a todos os que, no circuito correspondente, vierem a ingressar (o Estado, a coletividade como um todo, o explorador econômico, o usuário, o adquirente do exemplar).

 

Assim, verifica-se que a natureza dos direitos de autor por compreender tanto o direito moral, que é o relativo à sua personalidade e o direito patrimonial, aquele referente à remuneração merecida por sua contribuição intelectual, pode ser considerada híbrida, pois comporta ambas as características, quais sejam, a moral e a patrimonial.

1.3 Natureza Jurídica do direito de autor

 

No que tange a natureza jurídica, importante se faz trazer à tona que o direito de autor possui um caráter dúplice, apresentando elementos de direito patrimonial e, também, moral, podendo, então, ser considerado um direito híbrido, pois tutela o autor e a obra, porém levando sempre em consideração os dois elementos supramencionados que envolvem a produção e a fruição na linha do tempo.

Em se tratando do direito patrimonial, que se refere ao aproveitamento econômico, há o acolhimento sobre os direitos de reprodução da obra, e no que tange ao direito moral, que é o elo entre a criação e o criador, há a inclusão de direitos como de paternidade e integridade do objeto intelectual, sendo estes inalienáveis.

O professor Carlos Alberto Bittar[4] se posiciona da seguinte maneira, vejamos:

 

Com efeito, os direitos autorais não se cingem, nem à categoria dos direitos reais, de que se revestem apenas os direitos denominados patrimoniais, nem à dos direitos pessoais, em que se alojam os direitos morais. Exatamente porque se bipartem nos dois citados feixes de direitos – mas que, em análise de fundo, estão por sua natureza e sua finalidade, intimamente ligados, em conjunto incindível – não podem os direitos autorais se enquadrar nesta ou naquela das categorias citadas, mas constituem nova modalidade de direitos privados.

 

Conclui-se, assim, que o direito de autor possui dois núcleos, quais sejam, moral e patrimonial, logo, tanto têm traços do direito de propriedade quanto de direito de personalidade. Nesse sentido, o primeiro é devido quando da reprodução ou utilização de uma obra, devendo haver expressa autorização por parte do agente produtor intelectual, e o segundo trata-se da vinculação do autor com sua obra.

 

1.4 Previsão no arcabouço jurídico brasileiro

 

Muito embora a dicotomia entre o Direito Público e Direito Privado esteja cada vez mais enfraquecida com o passar do tempo, tendo em vista os sistemas jurídicos possuírem normas das duas naturezas, importante se torna esta conservação da divisão com o intuito de auxiliar na compreensão didática e sistemática.

 

Ao ser citado por Sérgio Vieira Branco Júnior[5], o doutrinador Miguel Reale, com a autoridade de quem conhece, se posiciona da seguinte maneira, in litteris:

 

A nosso ver, a distinção ainda se impõe, embora com uma alteração fundamental na teoria romana, que levava em conta apenas o elemento do interesse da coletividade ou dos particulares. Não é uma compreensão errada, mas incompleta. É necessário, com efeito, determinar melhor os elementos distintivos e salientar a correlação dinâmica ou dialética que existe entre os dois sistemas de Direito, cuja síntese expressa a unidade da experiência jurídica.

Há duas maneiras complementares de fazer-se a distinção entre o Direito Público e Privado, uma atendendo ao conteúdo; a outra com base no elemento formal, mas sem cortes rígidos (…).

 

Diante disso, conclui-se, em termos gerais, que para uma situação ser regida pelos princípios do Direito Privado, devem as partes estar em um mesmo plano, e a contrário sensu, para haver em uma relação a gerência das normas de Direito Público, necessário se faz que uma das partes esteja em circunstância desigual, ou seja, em planos distintos.

 

1.4.1 Direito Autoral, ramo do Direito Público ou Privado?

 

priori, importante esclarecer que o Direito Autoral não se limita às relações privadas. Assim, sua inserção no âmbito do Direito Público encontra amparo em nossa Constituição Federal, pois, desde o seu nascimento a criação intelectual, sempre mereceu o respeito e a tutela por parte do Estado.

Nessa conformidade, a atual Carta Magna acabou por consolidar e ampliar a garantia aos autores, dispondo em seu art. 5º, XXVII, que a eles pertencem exclusivamente todos os direitos sobre suas obras, garantindo, também, todas as prerrogativas decorrentes de seu uso. Assim a constitucionalização desse direito representou uma conquista diante do amadurecimento da legislação, em específico a autoralista.

Se valendo dos ensinamentos do professor Eduardo Pimenta, citado por Elisângela Dias Menezes[6], importante trazer à tona seu posicionamento ao tratar da natureza constitucional dos direitos autorais, com as mesmas palavras:

 

os direitos autorais são objetos dos direitos e garantias fundamentais preconizados na Constituição, onde o fundamento jurídico constitucional destes direitos baseia-se no interesse de proteger a obra intelectual, como forma de respeito ao autor.

 

Ademais, importante relatar, de forma en passant, a previsão no pergaminho penal, em que os artigos 184 e 185 tutelam os direitos de autor, configurando crime a violação do bem jurídico protegido, onde de um lado encontra-se a personalidade do autor e de outro, a obra em si.

Ergo, dúvidas não há quanto ao fato do Direito Autoral integrar a esfera de Direito Público, pois existem relações que envolvem a participação do Estado, agindo como poder político soberano.

Não obstante a esta previsão constitucional na qual justifica sua inserção no âmbito do Direito Público, o direito de autor, enquanto uma relação jurídica entre particulares, trata de matéria de natureza privada, isso graças à consagração legislativa por meio da doutrina dos direitos individuais.

Nesse sentido o Direito Privado vem a ser um conjunto de princípios e normas que regulam as relações, bem como as situações jurídicas que interessam às pessoas nelas envolvidas.

O doutrinador Antônio Chaves[7], define essa relação jurídica autoral como uma conjugação entre o direito pessoal e patrimonial em uma lógica autoralista, senão vejamos:

 

O direito de autor representa uma relação jurídica de natureza pessoal-patrimonial, sem cair em qualquer contradição lógica, porque traduz em uma fórmula sintética aquilo que resulta da natureza especial da obra da inteligência e do regulamento determinado por esta natureza especial.

 

Deste modo, devido sua vinculação ao exercício voluntário entre particulares por meio de contratos e a não intervenção do Estado nestes casos, é que o direito de autor acaba se inserindo no âmbito privado. Logo, verifica-se que tal ramo do direito jurídico, tanto integra a esfera de Direito Público quanto à de Direito Privado.

 

1.5 O objeto do Direito Autoral

 

Sob uma visão jurídica, o objeto no qual merece a tutela autoral deve ser determinado pelo legislador, pela doutrina e pelo operador do direito. Em outras palavras, o objeto se revela quando se identifica o sujeito, bem ou entidade sobre o qual a proteção legal deve recair.

Contudo, tendo em vista a atuação intelectual bifurcar-se em obras de cunho estético, aqui entendidas como obras intelectuais, e de cunho utilitário, entendidas como obras industriais, e sabendo que o objetivo maior deste ramo do direito é regular e disciplinar as relações jurídicas entre o criador e sua criação, temos por objeto do Direito Autoral a obra, excluindo, porém as idéias de plano abstrato.

Nesse sentido, eis o entendimento da doutrinadora Elisângela Dias Menezes[8], vejamos: “Com efeito, pode-se concluir que o Direito de Autor possui, como principal objeto, a proteção à obra pessoal, criativa, exteriorizada e de natureza imaterial, cuja essência é de caráter artístico e/ou literário”.

A Lei Autoral, em seu art. 7º, acaba por proteger as obras, as criações do espírito, referindo-se às obras intelectuais como aquelas, “expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que venha a ser inventado”.

Neste diapasão, não importa o material em que a obra venha ser fixada, podendo estar em um compact disk – CD ou em uma biblioteca virtual o fator relevante é que, sendo uma criação do espírito, será, então, ela protegida pela Lei de Direitos Autorais. Em outras palavras, o corpus mechanicum da obra pouco importa. Decerto, resta evidenciado que a lei resguarda as criações de espírito, não importando o meio ou em qual suporte ela foi externada.

Assim, além de trazer o rol que merece a proteção, o arcabouço normativo autoral tratou de descrever, no artigo 8º, o que não é objeto de garantia. Contudo, há uma divergência na doutrina especializada no sentido de se considerar as obras elencadas no referido artigo um rol taxativo ou exemplificativo.

Concessa venia aos doutos doutrinadores que divergem sobre o tema, a questão não deve se focar no fato do rol previsto no supramencionado artigo ser ou não numerus clausus. Decerto o que importa realmente é que não haverá que se falar em proteção quando se tratar de idéias em plano abstrato. Logo, pouco relevante é o exaurimento das idéias que não serão objeto de resguardo pela consolidação autoralista.

 

1.6 O surgimento do direito de autor

 

O autor gozará da proteção autoral a partir do momento em que a obra por ele inventada integrar o plano real, assim correto é dizer que o direito de autor surge conjuntamente com a exteriorização da idéia, do objeto autoral.

Outrossim, de nada interessa, para obter a proteção da lei, o valor ou mérito da obra, desse modo, ante a subjetividade existente neste ramo do direito, mesmo as criações em que pouco exigem do intelecto encontram morada no mundo autoral.

A par disso, mister relatar que, para que essa proteção encontre guarida no Direito Autoral, deve ela cumprir um requisito básico, qual seja, a originalidade. A obra não pode se confundir com outra já existente. Neste sentido, deve ela possuir caracteres específicos, distintos. Contudo, razoável é considerar que essa originalidade seja de caráter relativo, pois totalmente aceitável é o aproveitamento de idéias comuns.

Seguindo este entendimento, o doutrinador Eduardo Pimenta[9] posiciona-se da seguinte forma: “Conclusivamente, a originalidade não é a origem, ou a fonte de alguma criação, mas uma combinação distinta das já existentes quer nas palavras, cores, imagens das que serviram de inspiração ou motivação”.

A professora Deise Fabiana Lange[10] sobre o momento em que uma obra intelectual merece a proteção autoral leciona o seguinte, ipsis verbis:

 

Para que a obra mereça proteção, é necessária sua exteriorização, isto é, que seja expressada de alguma forma, pois a simples idéia, conjectura ou pensamento que não chega a ser exposto, apresentado de algum modo, está fora do âmbito de proteção desse direito. Necessariamente a obra terá que ser original, o que não quer dizer nova. A novidade não é interessante ao Direito Autoral, mas, sim, a forma com que a obra é exteriorizada. Originalidade significa criar alguma coisa dotando-a com características próprias, traços pessoais, expondo a maneira e o ângulo com que o seu criador vê o mundo, sente e percebe as coisas, o seu lado interior, e, desta forma, o transporta para sua criação.

 

Nesse sentido, ante esta constatação, resta-se ululante a não necessidade de qualquer registro para se adquirir os direitos oriundos da lei autoralista. O embasamento necessário para tal afirmação encontra-se presente no art. 18 da LDA que diz: “A proteção aos direitos de que trata essa lei independe de registro”.

Por fim, tem-se por certo que basta a obra ser exteriorizada e materializada, possuir contornos próprios, componentes em sua maioria originais, seja ela fruto de um esforço do intelecto e que não seja uma cópia de outra já existente, para que surja o merecimento da proteção.

 

 

1.7 O copyright

 

Este sistema foi criado para garantir o direito exclusivo de exploração do objeto intelectual, estabelecendo, basicamente, a exclusividade de reprodução e distribuição, implicando consequentemente no direito de cópia.

Neste diapasão, o copyright vem a ser um sistema que garante o direito à cópia ou o direito à reprodução, cujo foco esta na obra e na prerrogativa patrimonial de se poder copiá-la.

Posto isso, foi na Convenção de Genebra, também conhecida como Convenção Universal dos Direitos de Autor, que surge o princípio da formalidade mínima, no qual considera que uma obra se encontra protegida desde que a sua primeira publicação traga o símbolo ©, que equivale a copyright, ao lado do nome do titular do direito e do ano da publicação.

O doutrinador Carlos Alberto Bittar[11], comentando sobre a aposição do símbolo diz: “essa providência objetiva cientificar a coletividade na preservação dos direitos do autor e conexos, da existência da garantia autoral, a demonstrar que o titular tomou todas as providências assecuratórias necessárias”.

Assim, desperta interesse o fato dessa aposição do símbolo em tela ser a única formalidade exigida por esse sistema para se haver a proteção autoral.

Diante disso, o copyright reconhece, primeiramente, os direitos patrimoniais, garantindo uma proteção ao investimento realizado para, a partir de então, serem reconhecidos os direitos morais, levando em conta os aspectos pessoais do autor.

Logo, diante desta concepção, não pode o autor, mesmo considerado detentor de direitos morais segundo a referida Convenção, querer valer-se deles para impedir a comercialização da obra, uma vez que o direito patrimonial é o que prevalece sobre o moral.

 

1.8 Domínio Público

 

Na legislação autoralista pátria, os artigos 41 usque 45 tratam das regras gerais sobre o chamado domínio público, ou seja, dedicam-se a cuidar dos bens intelectuais e de seus direitos econômicos, onde eles deixam de ser uma exclusividade do autor ou de uma entidade para se tornarem bens da coletividade.

O artigo 41 da LDA estabelece que os direitos patrimoniais do autor subsistam por 70 anos a partir do primeiro dia do ano subseqüente ao falecimento do autor, sendo preciso obedecer à ordem de sucessão prevista no artigo 1.829 do Codex Civil.

Elisângela Dias Menezes[12], valendo-se dos ensinamentos de Bruno Jorge Hammes, ressalta o seguinte, ad litteram:

 

Domínio público significa que já não há um titular exclusivo da obra. Todos e cada um podem utilizá-la sem depender de autorização de um titular e sem ter que pagar algo pela utilização. Domínio público não deve ser confundido com propriedade pública pertencente ao estado.

 

De outro norte, importante lembrar que este prazo post mortem referido pela lei autoralista estende-se às obras anônimas ou pseudônimas e às obras audiovisuais e fotográficas, porém no primeiro caso, a contagem inicia-se a partir de 1º de janeiro do ano seguinte ao da primeira publicação, e no segundo a partir do primeiro dia do ano subseqüente ao da divulgação.

É de se ressaltar, contudo, que tanto nas obras anônimas quanto nas pseudônimas os direitos são administrados por quem tenha sido o responsável pela primeira publicação, porém se antes do fim do prazo o real autor provar a autoria, o prazo será contado de acordo com a regra geral, de modo que, por incrível que pareça, tal provação em nada alterará o estado de obra pseudônima ou anônima.

Assim sendo, oportuno destacar que os dois casos supracitados tratam-se de uma exceção, pois a contagem de prazo não se inicia após a morte do autor.

Na hipótese de obra em co-autoria, prevista no dispositivo 42 da Lei de Direitos Autorais, a abertura da contagem de prazo se inicia após o falecimento do último autor.

Isso posto, mister deixar evidenciado que os direitos morais perduram por toda a eternidade, até porque são eles inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis, já os direitos patrimoniais são temporários, pois  há a expiração do prazo de proteção após o limite fixado pela Lei Autoral.

Ante todo o exposto, a existência do domínio público deixa claro que o direito de autor tem uma limitação temporal, qual seja, 70 anos após sua morte, pois, uma vez publicada, a obra tem o intuito de alcançar o maior número de pessoas, logo, nada mais justo que, em algum momento, esta obra deixe de ser uma exclusividade para pertencer à sociedade, tendo em vista, também, que o objeto intelectual ao ser lançado passa a integrar o acervo cultural de uma nação.

1.9 O Direito Autoral na música

 

No tocante a música, espécie de obra intelectual pertencente ao domínio das artes e cujo principal requisito é a originalidade, entendida aqui como uma forma de exteriorização da idéia, o Direito Autoral dispensa sua administração e atenção, em momentos diferentes, por meio de vários dispositivos e institutos específicos.

No entanto, importante não se confundir originalidade com novidade. Essa vem a ser aquilo que não foi divulgado, se tratando do principal requisito no campo da Propriedade Industrial para a obtenção de determinados privilégios, enquanto aquela diz respeito ao que nunca ocorreu, ou seja, é o feito ou realizado pela primeira vez.

Em um contexto jurídico, música é a síntese da melodia, da harmonia e do ritmo, porém, quando há inclusão de letra e de título, tecnicamente a denominamos de obra lítero-musical, valendo lembrar que, quando essa é transformada e fixada em um suporte material, denominados de fonograma.   O artigo 5º, IX, da Lei Autoral define fonograma como “toda fixação de sons de uma execução ou interpretação, ou de outros sons, ou ainda de uma representação de sons que não seja uma fixação incluída em uma obra audiovisual”.

Nesta seara, quando um grupo ou cantor resolve registrar seu trabalho e gravar um CD – compact disk, terá que negociar o que chamamos de direitos fonomecânicos, onde terá que transferir a um produtor fonográfico os seus direitos patrimoniais, mantendo consigo, conforme foi verificado anteriormente, somente os direitos morais.

Tal negociação deverá ser realizada através de contrato de edição, em que por meio de uma empresa detentora de direitos patrimoniais, conhecida como editora musical, os interesses do autor serão tratados junto aos produtores fonográficos. Neste sentido, produtor, que tanto pode ser pessoa física quanto jurídica, é aquele responsável por fixar a obra em um suporte de qualquer natureza, ou seja, é quem contrata o direito de fixação do trabalho musical do artista.

Isso posto, com o advento da inserção das músicas em uma base, seja em vinil, fita cassete ou CD, por exemplo, a comunicação entre o público e artista começou a se dar de forma direta e indireta, pois não só quem adquirisse este suporte estaria tendo um contato com a obra musical.

Para ilustrar tal questão imagine-se um dono de restaurante após adquirir um CD, executa as composições musicais ou lítero-musicais nele contidas como fundo musical nas dependências dessa propriedade, de tal maneira não só ele que adquiriu a obra musical estaria tendo contato com as músicas, mas todos aqueles em que ali se encontravam no momento da execução.

Percebe-se, porém, que o Direito Autoral no contexto musical se encontra presente quando da circulação de músicas e, também, de sua utilização, isso mediante uma prévia autorização. Exemplo disso é a execução pública de músicas prevista no artigo 68, § 2º da LDA, fato que por si só faz surgir direitos ao autor. De outro modo, quando da utilização de contratos relacionados à música, tais como verbi gratia os contratos de edição e de produção, que, também, acabam por demonstrar a atenção conferida por este ramo do direito à referida obra.

 

2. O compartilhamento de arquivos musicais na Internet

 

2.1 A Internet como meio de circulação autoral e a função social do direito de autor

 

Hodiernamente, houve a intensificação da discussão sobre os direitos dos autores e as suas obras, isso levando em consideração o fenômeno denominado Internet e seu avanço com o rompimento de fronteiras, cominado, ainda, com o fácil acesso por parte dos internautas a diversas obras tanto no campo literário, científico ou artístico, e, principalmente, no musical. Assim, questões envolvendo a propriedade de criações e os direitos dos autores sobre elas, a possibilidade de protegê-las de violações e mecanismos para a identificação do agente violador de direitos autorais, surgem com destaque no mundo moderno.

A Internet possibilitou a utilização da chamada hipermídia, que se trata de um meio de expressão característico dessa rede mundial de computadores, em que por meio do acesso de diversos caminhos, por meio dos links, pode-se perceber da maneira em que se bem entender, sem uma ordem predetermina, os vários conteúdos oferecidos em um sítio. Isso posto, a invenção da Internet promoveu a possibilidade de divulgação das obras em seu formato original, principalmente as artísticas, transformando-se assim em uma nova linguagem de comunicação.

De mesmo modo, infelizmente, serviu também para aumentar o uso indevido e a pirataria, onde a distribuição dessas obras, sem a autorização dos autores ou titulares, fez com que os direitos de autor, no âmbito da rede mundial de computadores, se transformassem em um problema de difícil solução.

Marcos Alberto Sant’Anna Bitelli, citado por Elisângela Dias Menezes[13]tratando da origem de tal problemática, posiciona-se da seguinte forma:

 

Tal situação cercou de problemas e conflitos principalmente a indústria fonográfica, com o surgimento do Napster, software que permitia o intercâmbio de arquivos digitais de músicas em formato ‘MP3’. Esta ‘praga’, como diziam os titulares, chegou em seguida aos demais setores usuários de conteúdos digitalizados, com grandes riscos para todos que exercem atividade econômica com obras intelectuais.

 

De tal maneira, não restam dúvidas de que a rede mundial de computadores, ao mesmo tempo em que possibilitou o acesso à cultura e a oportunidade aos criadores em divulgar suas obras, deu azo à reprodução ilegal e ao uso indevido dessas invenções do intelecto humano.

Em outro enfoque, relevante trazer à tona a questão da função social do direito de autor, pois em que pese ser de fundamental importância valorizar o indivíduo criador de modo que ele continue contribuindo com suas criações e que haja uma retribuição financeira por tal, qualquer medida que tenha por objetivo limitar o acesso às redes de comunicação poderia aumentar a chamada exclusão digital, violando o princípio da função social previsto nos artigos 5º, XXIII e 170, III da Carta Magna e o preceito contido no artigo 215, da Constituição que garante a todos o acesso à cultura.

Em outras palavras, uma maior proteção poderá acarretar uma diminuição ao acesso às obras intelectuais dispostas na Internet e, por conseqüência, gerar o seu desestímulo à sua produção.

Assim, o aumento da proteção autoral e a restrição ao livre acesso às obras, lemas propostos pela indústria cultural, em especial fonográfica, visam à defesa de seus interesses, fato no qual não necessariamente garante ao criador grandes benefícios, pois, por exemplo, não lhe assegura um maior ganho financeiro. Logo, parece ser evidente que o pano de fundo das atitudes tomadas pelas gravadoras, demonstrando estarem engajadas na coibição da pirataria, é, talvez, camuflar a desgastada relação em que elas têm com o autor e evitar prováveis e possíveis perdas em seus lucros.

O professor Allan Rocha de Souza[14], de forma sensata diz que “a extensão da proteção jurídica concedida ao autor deve equilibrar-se entre o alcance efetivo do benefício patrimonial compensatório e a dimensão do ônus a ser suportado”. Neste ínterim, patente é o não consenso existente entre o interesse do autor e os anseios e necessidade dos internautas que desejam usufruir ou utilizar as obras criadas por aquele.

Por fim, a título de informação, mister destacar que, entre as obras que circulam na Internet ou em outro meio qualquer, não existe distinção. Logo, as prerrogativas patrimoniais e morais do autor devem ser respeitadas em ambos os casos.

 

2.2 A proteção do direito de autor na rede mundial de computadores e a possibilidade de identificação do agente violador do Direito Autoral no âmbito da Internet

 

O fator que sempre prejudicou, sobre tudo os autores, mesmo, atualmente, não havendo uma lei específica que trate de condutas criminosas na Internet relacionadas às transgressões dos direitos autorais, não foi exatamente a falta de legislação e sim a falta de cumprimento do diploma e dispositivos legais existentes referentes ao tema.

Isso posto, ao se conectar na World Wide Web – www, o usuário dessa rede estabelece ligação com outras que, simultaneamente, operam entre si, tendo assim acesso a uma enormidade de conteúdo, fato no qual faz da Internet um meio de comunicação que foge, em determinados casos, do controle do poder do Estado e das normas jurídicas estabelecidas.

Ilustrando bem o momento em que a Internet e a tecnologia tornaram-se um problema para os autores e a indústria fonográfica, o doutrinador Nehemias Gueiros Júnior[15] citado no artigo “Lei dos Direitos Autorais nas Obras Musicais” de autoria de Leonardo Mota Costa Rodrigues relata:

 

(…) o que realmente chamou a atenção, não apenas da indústria fonográfica, mas também de estudiosos e juristas de Direito Autoral, foi quando a tecnologia passou a permitir, com precisão e fidelidade, o download de faixas e até discos inteiros, diretamente da Internet para os equipamentos de gravação dos usuários, sem qualquer cobrança de preço. Pior, diversos serviços dentro da Internet oferecem aos usuários a possibilidade de fazer suas próprias compilações de faixa de sua preferência, juntando obras musicais protegidas por contratos e atreladas a direitos e obrigações com os autores, artistas e intérpretes, misturando fonogramas de diversas gravadoras diferentes. Estava lançada a pirataria musical cibernética. Os sites clandestinos proliferam e até hoje estão na rede, oferecendo serviços ilegais.

 

Diante disso, o ordenamento jurídico protege o agente produtor cultural na Constituição Federal de 1988, por meio do artigo 5º, em específico nos incisos XXVII e XXVIII, em lei específica e nos Códigos Civil e Penal, em que estabelece indenizações e penas aos violadores dos direitos de autor. O professor Guilherme Carboni[16], ao comentar sobre a busca da LDA em tutelar as obras digitais, estabelece o seguinte:

 

(…). Na verdade, a Lei de Direitos Autorais procurou apenas transportar para as obras digitais os mesmos conceitos de direito de autor tradicionalmente aplicados às obras analógicas, quando, na verdade, o funcionamento do direito autoral analógico se contrapõe à ética criada pela própria tecnologia digital.

 

Sendo uma conseqüência quase que inevitável, a violação aos direitos de autor na Internet prejudica o criador das obras intelectuais e, por conseguinte, a indústria, pois vem ocasionando uma queda na venda de seus produtos e, também, em seu lucro, ou seja, vem causando uma reação em cadeia negativo que chega até mesmo a causar a demissão de funcionários.

Entretanto, a verdade é que a Lei Autoral não esta acompanhando os avanços provenientes da Internet e da tecnologia digital, encabeçada pela evolução constante dos computadores e de seus programas, pois as formas de transmissão e cópia de obras autorais sem a devida permissão aumentaram rapidamente e a impunidade ora decorrente de tais atos ilegais é um fato concreto e constante.

Portanto, eis um dos motivos que justificam a criação de tipos penais que regulem especificamente na rede mundial de comunicações eletrônicas, as condutas criminosas, sobretudo as que violam os direitos autorais, tais como, por exemplo, o compartilhamento e o download de músicas ou vídeos sem a autorização dos autores. Assim, necessária é a adaptação à nova realidade hoje vivida, para que haja a inibição e o desestímulo do cometimento de tais atos. De tal maneira, o doutrinador Plínio Martins Filho[17], contundentemente afirma, in litteris:

 

(…), as violações dos direitos autorais pelos usuários da Internet estão se tornando igualmente comuns, de modo que quase ninguém acredita num controle legal, ainda mais sem uma legislação própria.

Todas essas violações seriam legais se fosse pedida a autorização ao titular dos direitos. Para que isso aconteça é preciso que se criem leis claras e não um emaranhado trabalhoso de normas que, no fundo, tornarão o licenciamento muito oneroso. Enquanto isso não ocorre, estamos fadados a conviver com esse submundo ilegal de violações dos direitos autorais.

A Internet está criando um verdadeiro caos à medida que rompe qualquer barreira, pois torna a proteção aos direitos autorais – que atualmente é territorial – obsoleta. É preciso, portanto, que se crie um código universal plenamente funcional. Do contrário, vamos continuar nos perguntando “de quem é a responsabilidade sobre os direitos autorais na Internet?”, e não dando nenhuma solução satisfatória. (sem ênfase no original)

 

Logo, restou-se verificado que a Internet, ao mesmo tempo em que contribuiu para o avanço tecnológico, cultural e midiático, possibilitou, nos dizeres de Nehemias Gueiros Junior, a “pirataria cibernética”, razão na qual o direito, ainda, não encontrou um ponto de equilíbrio entre os interesses da população e do indivíduo autor.

Eduardo Pimenta[18], ao analisar os benefícios em que a World Wide Web oferece, nos quais se pode citar a transposição de fronteiras territoriais e a facilidade na busca por informações, e ao comentar sobre a não identificação e punição dos transgressores das normas autorais, diz:

 

Com suas características multifuncionais, a internet permitiu um anonimato relativo (vide a impunidade dos HACKERS), com excessiva liberdade, a par de ter globalizado o direito, as relações de consumo, a efetivação da comunicação em tempo real independente da distância, e por conseqüência modificando a competência jurisdicional – em consonância com a teoria finalista, posto que pode ser acessado em qualquer lugar do planeta, caracterizando a universalização, ou melhor fazendo nascer uma nova classe na classificação romana dos direitos civis, a dos DIREITOS UNIVERSAIS.

 

Destarte, sobre a possibilidade de se descobrir a identidade de um transgressor dos direitos de autor na rede mundial de computadores, Elisângela Dias Menezes[19] citando o entendimento de Plínio Cabral expõe:

 

por meio de sistemas eletrônicos e programas adequados, esse registro se torna mais fácil e objetivo. Tecnicamente falando, é simples e fácil. O provedor desempenhará papel decisivo como ‘porta’ para os caminhos cibernéticos e seu controle.

 

Na mesma linha de raciocínio, Carolina de Aguiar Teixeira Mendes[20], ao comentar sobre a suposição de que o internauta tem de seu anonimato ser mantido leciona:

 

(…). Nem tudo o que está em “ambiente público” (no caso a Internet) está em “domínio público” (hipótese legal na qual o material pode ser utilizado sem autorização do autor). Assim, a Internet é apenas um ambiente público, mas seus conteúdos não podem ser copiados ao bel-prazer do usuário, sem ao menos pedir autorização do responsável pelo conteúdo.

Da mesma forma deve ser esclarecido o falso anonimato. Crimes são cometidos em blogs e comunidades virtuais (como o Orkut) porque o usuário acredita que não será identificado se fizer uso da condição de anônimo. Lembramos que é perfeitamente possível identificar qualquer usuário na World Wide Web através do número de IP (Internet Protocol), que identifica cada um de nossos computadores conectados.

(…)

(…). E é muito mais fácil “pegar” alguém que cometeu um crime na Internet do que “pegar” um rapaz que furtou a bolsa de uma velhinha, saiu correndo e nunca mais foi visto. A Internet deixa rastros, é possível descobrir o número de IP do seu computador, (…).

 

Assim, importante destacar que a Internet não se trata de uma terra sem leis, e que, mesmo não existindo uma lei específica, pode haver, de forma generalizada, infelizmente, o enquadramento de um ato ilícito cometido virtualmente em dispositivos do Código Penal, Civil e da própria LDA.

Logo, sendo a rede mundial de computadores um ambiente público, alguns atos não podem ser cometidos, v.g., baixar músicas sem autorização ou sem pagar os direitos legais do autor. Isso posto, altamente recomendável, neste caso, é realizar o download de forma legal, através de sites especializados.

Carlos Alberto Bittar[21], abordando a temática da tutela dos direitos autorais, assim se pronuncia:

 

O princípio básico, aliás, é o da mais ampla proteção aos direitos do autor, proporcionando-lhe, em face das permissivas já antes assentadas, ou a garantia, ou a defesa, ou a reparação devida frente ameaças ou lesões sofridas.

Daí, se uma determinada ação for suscetível de capitulação, nos planos citados, em cada qual sofrerá o agente – se assim em concreto se puser e se provar – o sancionamento correspondente, dentro da tese do enquadramento múltiplo que prospera nesse campo.

 

Por derradeiro, a Internet não deve ser vista como uma vilã, um meio causador de tal embate existente entre sociedade e autor, mas sim como uma aliada na qual deve ser mais bem aproveitada, pois ela possibilita e proporciona mais vantagens e benefícios, tais como resolver problemas e facilitar o dia-a-dia, além, ainda, de ser uma forma rápida e barata de disseminar informação e implementar políticas de marketing eficazes.

 

 

 

3. Considerações Finais

 

Ao mesmo tempo em que o avanço tecnológico fomentou novas maneiras de divulgar e incentivar a produção intelectual trouxe consigo a problemática da busca pela preservação de interesses inerentes aos agentes produtores intelectuais e, também, o da coletividade em se obter acesso à cultura. Isso porque, praticamente na mesma época em que a Lei de Direitos Autorais entrou em vigor, a cultura digital, sendo encabeçada pelo advento da Internet, teve seu boom.

Isso posto, a tecnologia digital, de maneira rápida e bastante econômica, passou a possibilitar cópias idênticas de obras originais. Nesse sentido, diante da evolução ocorrida, a Lei Autoral deixou de ser tão eficaz como antes, pois não aborda, v.g., questões que envolvem a obra disposta na Internet, até porque um computador conectado à rede mundial de computadores já se mostra suficiente para que o usuário desta rede descumpra o disposto pela LDA.

O Direito Autoral, surgido com a intenção de tutelar os criadores, tendo em vista serem eles os responsáveis pelo desenvolvimento cultural de uma nação, vem ganhando destaque no mundo jurídico e sendo tema de acalorados debates. Nessa conformidade, com a promulgação da Carta Magna de 1988 e, dez anos mais tarde, com o advento da Lei de Direitos Autorais, ao mesmo tempo em que a referida disciplina tornou-se um direito e garantia fundamental do cidadão autor, o interesse público em obter informação e cultura também se tornou.

Assim, restou-se verificado ao longo deste estudo, a existência de um embate envolvendo dois direitos fundamentais previstos em nossa Constituição Federal e imprescindíveis para se atingir a dignidade da pessoa humana.

De tal forma, o Estado, responsável por distribuir igualitariamente os ônus e encargos entre todos da sociedade, tem como obrigação promover o acesso aos meios culturais existentes e, de mesmo modo, o dever de salvaguardar os criadores, garantindo a eles uma recompensa financeira. Nesse contexto, somente tal tratamento por parte deste Ente Soberano trará a harmonia entre os interesses antagônicos.

De outro norte, bem se vê que os meios tecnológicos avançaram e as formas de acesso à cultura aumentaram, isso graças ao advento da rede mundial de computadores. Tal fato faz com que a Lei Autoral não ofereça uma proteção eficaz aos autores, uma vez que a mencionada lei não acompanhou a evolução ocorrida, tanto no que diz respeito à sociedade, quanto à tecnologia.

Logo, diante de todo o exposto, o presente trabalho analisou a controvertida relação existente entre autor e sociedade, mostrando que, devido às várias possibilidades de acesso às obras por parte da população em geral a partir da conexão de um computador com a Internet, a falta de fiscalização e combate às violações autorais e a não atualização da LDA, o autor se mostra a parte mais fraca desta relação. Contudo, porém, não se deixou de verificar a garantia da sociedade ao acesso à cultura, até mesmo porque existe previsão constitucional para tanto.

Por fim, cabe ao legislador e, também, ao nosso Poder Judiciário realizar uma análise conjunta, cabendo a ambos sopesar e harmonizar este conflito, sabendo tutelar os direitos em que o autor faz jus e possibilitando o desenvolvimento intelectual de toda sociedade e garantindo o acesso à cultura.

Assim, algumas possibilidades que poderiam ser levadas em conta para se atender ambos os interesses seriam, por exemplo, a instituição do uso responsável na Lei Autoral, no qual, não caracterizaria ofensa aos direitos autorais a reprodução de uma obra musical cuja sua finalidade fosse meramente didática, porém, cabendo ao Estado, nesse caso, garantir uma retribuição financeira ao autor, estimulando-o em continuar a contribuir com suas obras, e a diminuição do dilatado prazo de 70 anos para que uma obra entre em domínio público.

Isso posto, ao mesmo tempo em que a sociedade estaria tendo acesso livre às obras, o autor receberia uma quantia em dinheiro por ajudar na evolução intelectual da população.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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* Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas da União Educacional do Planalto Central – Faciplac, pós-graduando em Direito do Trabalho pelo Instituto Praetorium e colaborador com o Escritório de Advocacia NBR & Magalhães.

[1] Willian James Durant (1885-1981), historiador americano.

[2] BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 152.

[3] Idem. Ibidem. p. 19.

[4] Idem. Ibidem. p. 11.

[5] REALE, Miguel apud BRANCO Jr., Sérgio Vieira. Direitos Autorais na Internet e o uso de Obras Alheias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 120-121.

[6] MENEZES, Elisângela Dias. Curso de Direito Autoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 4.

[7] CHAVES, Antônio. Direito de Autor – Princípios Fundamentais. Rio de Janeiro: Forense, 1987. p. 6

[8] MENEZES, Elisângela Dias. Op. Cit. p. 39.

[9] PIMENTA, Eduardo. Princípios de Direito Autorais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 73.

[10] LANGE, Deise Fabiana. O Impacto da Tecnologia Digital sobre o Direito de Autor e Conexos.Unisinos, 1996. p. 21.

[11] BITTAR, Carlos Alberto. Op. Cit. p. 135.

[12] HAMMES, Bruno Jorge apud MENEZES, Elisângela Dias. Op. Cit. p. 90.

[13] BITELLI, Marcos Alberto Sant’Anna apud MENEZES, Elisângela Dias. Op. Cit. p. 193.

[14] SOUZA, Allan Rocha de. A Função Social dos Direitos Autorais: uma interpretação civil-constitucional dos limites da proteção jurídica: Brasil 1988-2005. São Paulo: Faculdade de Direito de Campos, 2006. p. 215-216.

[15] GUEIROS JR., Nehemias apud RODRIGUES, Leonardo Mota da Costa. Lei de Direitos Autorais nas Obras Musicais.  Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4328> Acesso em 28 de abr. de 2009.

[16] CARBONI, Guilherme. Os desafios do direito autoral em tempos de Internet. Disponível em: <http://www.lexinform.com.br/atualidades2.asp?Codigo=51> Acesso em 18 de abr. de 2009.

[17] FILHO, Plínio Martins. Direitos Autorais na Internet. Disponível em: <http://www.colegiosaofrancisco.com.br/alfa/direitos-autorais-na-internet/>. Acesso em: 19 de abr. de 2009.

[18] PIMENTA, Eduardo. Op. Cit. p. 76.

[19] CABRAL, Plínio apud MENEZES, Elisângela Dias. Op. Cit. p. 194.

[20] MENDES, Carolina de Aguiar Teixeira. Acha que a Internet é uma Terra sem Leis? Pois Enganou-se! Disponível em: <http://www.jornaljovem.com.br/edicao6/especial_internet08.php> Acesso em 31 de mar. de 2009.

[21] BITTAR, Carlos Alberto. Op. Cit. p. 132.